Num mundo onde as pessoas se sentem angustiadas com o desejo de agradar e serem agradadas, percebemos quão distante está a verdade do que realmente somos diante de Deus e diante de nós mesmos. Santa Teresinha, apesar de sua breve existência e em meio às suas dores, imperfeições e imaturidades soube erguer seus olhos e pegar depressa o “elevador” que a conduziria aos braços do Pai. Descobriu-se aceita por um Deus que a amava e que faria tudo por ela. Esse exemplo de vida muito tem a nos ensinar pois Teresinha se recusou a levar uma vida sem sentido e acreditou e nada colocou como impedimento para fazer da sua vida uma oportunidade de “cantar as misericórdias do Senhor”.
Como nós reagimos diante disso? Aceitamos ou não como somos ou quem somos? E de que maneira isso acontece?
Como nós reagimos diante disso? Aceitamos ou não como somos ou quem somos? E de que maneira isso acontece?
“Onde está o Espírito do Senhor, lá está a liberdade?” (cf. 2Cor 3,17). Deus é realista e deseja realizar sua obra em nossa vida na verdade, não em uma ilusão de quem somos ou como somos. A tentativa de negar ou vencer nossas fraquezas e limitações por nós mesmos é uma ilusão porque o próprio Jesus nos disse: “Sem mim nada podeis fazer”.
Uma das formas mais eficazes de deixar a graça de Deus agir em nós é dizer “sim” ao que somos e às situações que enfrentamos dentro e fora de nós. Isso nos faz acreditar que a pessoa que o Pai ama não é a que eu irei me tornar ou a que eu desejo ser, mas a pessoa que eu sou. Deus não tem as expectativas ilusórias que nós temos de amar o que é ideal ou virtuoso, Ele ama de forma real, aliás, desconsidero que seja amor tudo que escape da realidade. Perdemos muito tempo tentando corresponder a modelos ou nos lamentando de nossos limites e fraquezas, ou porque poderíamos ser menos feridos, menos complicados... isso só faz retardar a belíssima obra que o Espírito Santo quer realizar em nós.
Muitas vezes bloqueamos a nossa intimidade com Deus recusando a nossa pobreza, fragilidade, debilidade, ao invés de nos reconhecermos pequenos e sem nos darmos conta esterilizamos a ação do Espírito Santo.
Um problema decorrente disso é que, quando não conseguimos acolher a nós mesmos, também não acolhemos os outros (e perdemos tempo reclamando por ele não corresponder às nossas expectativas).
Essas atitudes e sentimentos são muito sérios porque revelam uma não aceitação de nós mesmos muito forte, que tem raízes em uma falta de confiança e fé em Deus. Aceitar-nos como somos, com nossa pobreza e limites, não significa acomodar-se, tomar uma atitude passiva ou preguiçosa diante da vida. Ao contrário, já que o próprio Evangelho nos chama a sermos perfeitos (cf. Mt 5,48), é preciso querer melhorar, crescer, superar, progredir... é indispensável porque deixar de progredir é deixar de viver! Mas tudo isso só acontece de forma equilibrada se nos aceitamos e reconhecemos necessitados de Deus.
É preciso desejar ser santo e reconhecer que não há santidade sem aceitação de si mesmo. As duas atitudes não se opõem. Precisamos reconhecer nossos limites, mas nunca ter face a eles uma atitude resignada ou medíocre, ao contrário, convém ter um desejo de mudança que não seja uma rejeição de nós mesmos.
Para todo esse processo é necessário suplicar que o Espírito Santo nos dê a graça da aceitação da verdade e da humildade, e isso não é fácil porque o orgulho e o medo de não ser aceito e a frágil convicção do nosso valor estão muito enraizados em nós. Só o olhar de Deus pode nos curar porque o Senhor mesmo disse que temos valor aos seus olhos e que Ele nos ama (cf. Is 53,4).Trazemos em nós uma necessidade vital do olhar do outro, seja de um amigo, um parente, uma autoridade espiritual, mas é certo que o olhar de Deus vale mais que todos os olhares, pois é o olhar do amor e da verdade que há no mais íntimo de nós.
O livro “A volta do Filho Pródigo”, de Henri Nouwen, evidencia a urgente necessidade de um dia em nossa vida termos a experiência de reconhecer que a nossa verdade está estampada nos olhos de Deus: “Por muito tempo eu achei que era uma espécie de virtude ter baixa auto-estima. Fui tantas vezes prevenido contra o orgulho e a presunção que acabei achando que era bom me depreciar. Mas agora compreendo que o verdadeiro pecado é negar o amor primeiro de Deus por mim e ignorar a bondade original. Porque sem reivindicar esse primeiro amor e essa bondade original, perco contato com o meu verdadeiro eu e enveredo, entre pessoas e lugares errados, numa busca destrutiva pelo que só pode ser achado na casa de meu Pai.”
Sob o olhar de Deus encontramos a liberdade de sermos pecadores, mas também de nos tornarmos santos unicamente por sermos amados, não por sermos pressionados. As nossas fraquezas não têm o poder de impedir a ação do amor de Deus em nós.
Jo Croissant destaca a necessidade de mudarmos o nosso olhar: “Vemos o quanto o olhar que trazemos sobre os outros e sobre o mundo talvez nos tenha influenciado sem que tivéssemos consciência, e é através de um acontecimento que vai nos ultrapassar que vamos tomar consciência de que não era correto o nosso olhar, que não era o olhar de Deus. Na realidade, a maneira como nos vemos nos afeta muito mais profundamente que imaginamos.
...O olhar que nós trazemos sobre os outros pode enquadrá-los num personagem do qual não permitimos que se liberte; basta que o olhemos de uma maneira diferente para que as situações se desbloqueiem” .
Jesus hoje faz o mesmo que fez com o jovem rico, Ele nos olha e ao mesmo tempo nos ama (cf. Mc 10,21).
Diante dessa liberdade interior que o olhar de Deus realiza em nossas vidas poderíamos citar diversos testemunhos, como falei anteriormente de Santa Teresinha, mas citarei aqui para concluir o exemplo de Etty Hillesum, uma jovem judia de Amsterdan que foi deportada para Auchwitz e lá desapareceu, em 30 de novembro de 1943. Essa mulher incrível, espontânea, viva, apaixonada e com sede de absoluto soube ter um olhar “diferente” diante da vida e das situações que lhe aconteciam porque tinha certeza que a sua liberdade não era definida pelo local, proibições ou pessoas, mas que se pode ser livre interiormente diante disso tudo. Ela dialoga com Deus de forma livre porque percebe a Presença dele no seu interior.
“Das tuas mãos, meu Deus, aceito tudo, como me ocorre. Aprendi que suportando todas as provas, podemos transformá-las em bem... Sempre que decidi enfrentá-las, as provas foram transformadas em bondade... Os piores sofrimentos dos homens são aqueles que eles rejeitam. Quando me encontro em um canto do campo de concentração, os pés firmados sobre a terra, os olhos elevados para o céu, às vezes tenho a face banhada de lágrimas... é esta a minha oração.” (Etty Hillesum). Que Deus o abençoe e o conduza sempre mais e mais nesse caminho de amor, verdade e liberdade, sem desanimar, porque acreditamos que Deus tem pressa em nos amar e realizar em nós a obra desejada de maturidade para a nossa santidade e felicidade, pois ser santo é ser feliz. Coragem!
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