Alguns motivos porque sou contra o aborto
A questão do aborto sempre é matéria de controvérsia, em especial desde que a então Ministra Dilma tornou-se candidata à Presidência da República. Vamos ver se consigo ajudar em algo no texto a seguir, embora se alguém colocar no google vai achar INÚMEROS textos sobre a matéria (contra, a favor, ou nem tanto).
Recentemente a nova ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci (PT), afirmou que o aborto é uma questão de saúde pública. Disse ainda que:
(…) Como sanitarista, tenho que dizer que o aborto é uma questão de saúde pública, não de ideologia, assim como o crack, a dengue e o HIV. (…)
(…) Nenhuma pessoa de gestão que tenha sensibilidade, que ouça os números, admite que mulheres continuem morrendo em decorrência de aborto, assim como não queremos que crianças continuem morrendo por falta de atendimento no parto. (…)
Esta declaração não se limita ao que pensa a Sra. Ministra, mas sim o que diversos membros do Governo Dilma, do PT e tantos outros defendem. E tais pontos devem ser analisados com cuidado, e pretendo fazer isso de uma forma jurídica, moral e fática.
Antes de qualquer coisa, devo dizer que acho engraçado esse negócio de dizerem que o Estado é laico e por isso a religião deve se manter fora dessa discussão … se alguém que professe uma religião se diz contra o aborto, já definem que é por motivos religiosos. Por favor, sejamos inteligentes o bastante para não limitar a questão a uma discussão meramente religiosa, até porque a religião também tem seus fundamentos científicos, jurídicos e morais para defender sua posição. Não deixem o preconceito religioso prevalecer.
Além do mais, a religião faz parte da sociedade, e como tal tem o direito (senão o dever) de manifestar a sua posição.
Sobre o aborto temos alguns posicionamentos:
- muitos dos que defendem a liberação do aborto tem como fundamento que é um direito da mulher decidir se vai levar a gestação em frente ou não;
- tem os que defendem a restrição da prática do aborto dizem que a mulher não pode tomar esta decisão, pois estariam escolhendo se matam uma pessoa (ou não);
- e tem os do “também não é para tanto”, que dizem que em alguns casos deveria ser liberado (em caso de estupro, por exemplo).
Seja qual for o posicionamento adotado, acredito que a discussão deve ser analisada inicialmente sob o ponto de vista do direito (ou não) da mulher decidir se vai realizar aborto, o que tentarei fazer aqui.
Deixo claro desde já que já fui dos “também não é para tanto” e defendia este ponto de vista com veemência, mas por diversos motivos (religiosos, científicos e jurídicos) mudei minha posição. Trago aqui alguns dos motivos pelos quais sou contra a prática do aborto, ainda mais nos moldes pretendidos pelo governo federal.
ANÁLISE JURÍDICA E MORAL
O direito de a mulher decidir deve ser previsto em lei, pois ela não pode ser impedida de fazer algo senão em virtude de lei. É isso que estabelece a Constituição Federal de 1988, no art. 5º, II:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(…)
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
Mas e o feto, tem direitos? Se tem, a partir de qual momento da gestação esses direitos existem?
E vejam que situação interessante: recentemente uma discussão dos direitos do nascituro foi amplamente noticiada, pois uma decisão judicial deixou claro que aquele QUE AINDA NÃO NASCEU tem seus direitos:
- caso Wanessa Camargo: Justiça condena Rafinha Bastos por danos morais.
A decisão trouxe a seguinte posição adotada: “a figura da pessoa surgida com a concepção embrionária antecede a personalidade civil”. Ou seja, se reconhece que desde a concepção há uma pessoa, com direitos e entre eles à vida.
O art. 2º do Código Civil estabelece:
Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Se alguém tiver alguma dúvida o que significa o termo “nascituro”, Plácido e SILVA (Vocabulário Jurídico, 1984, p. 228) esclarece o termo nascituro como: (…) Derivado do latim nasciturus, particípio passado de nasci, quer precisamente indicar aquele que há de nascer. (…) Nascituro tem morituro como antítese. (…)
Já a partir desta previsão do Código Civil a discussão poderia se desenrolar para vários lados, e entre eles, está situação de que a pessoa humana já existe juridicamente desde a concepção.
Podemos dizer que mais importante que o Código Civil é a previsão da Convenção Interamericana dos Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, promulgada em 1969, que declara em seu art. 1º, §2º: (…) Para efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano. (…)
O art. 4º do mesmo instituto legal fixa:
Art. 4º. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.
Antes que alguém grite que o Pacto de São José não se aplica à legislação brasileira, já informo que se engana totalmente.
Por meio do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, o Pacto de São José foi ratificado pelo Brasil, com a seguinte previsão:
Art. 1° A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, apensa por cópia ao presente decreto, deverá ser cumprida tão inteiramente como nela se contém.
Diante da nova redação do § 3º, do art. 5º da Constituição Federal (conforme a Emenda Constitucional nº 45/2004), se dá aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos a eficácia de emendas constitucionais. Isto é, incorporam-se ao texto permanente da Constituição, quanto à garantia dos direitos humanos.
Como se viu, quando o Brasil subscreveu o Pacto de São José, ficou certo da sua aplicação no Direito interno sem qualquer ressalva.
Diante das previsões legais citadas, temos certo que a pessoa humana existe desde a concepção, e que tem direito à vida.
Vale destacar também o que diz o art. 7º, do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Não se vê uma norma jurídica de forma isolada, mas a análise tem que ser feita de forma abrangente. Ao se somar as previsões do Pacto de São José, o art. 2º do CCB, o art. 7º do ECA, com os arts. 121, 124, 125 e 126 do Código Penal, e se vê claramente que o nosso ordenamento jurídico protege a vida do nascituro. Entendo inclusive que a previsão do Código Penal no sentido de autorizar o aborto em caso de estupro é inconstitucional.
Pode até se discutir se o feto tem direitos civis ou não (se seria apenas a partir do nascimento), mas à vida tem e isso não se discute.
E a doutrina segue no mesmo sentido:
(…) o respeito à vida humana é a um tempo uma das maiores ideias de nossa civilização e o primeiro princípio da moral médica. É nele que repousa a condenação do abordo, do erro ou da imprudência terapêutica, a não aceitação do suicídio. Ninguém terá o direito de dispor da própria vida, a fortiori da de outrem e, até o presente, o feto é considerado um ser humano (…)(SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9a. ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 182)
(…) Tutela-se nos artigos em estudo a vida humana em formação, a chamada vida intra-uterina, uma vez que desde a concepção (fecundação do óvulo) existe um ser em germe, que cresce, se aperfeiçoa, assimila substâncias, tem metabolismo orgânico exclusivo e, ao menos nos últimos meses de gravidez, se movimenta e revela uma atividade cardíaca, executando funções típicas de vida. Protege-se também a vida e a integridade corporal da mulher gestante no caso do aborto provocado por terceiro sem o seu consentimento. Na Itália, o aborto é crime contra a continuidade da estirpe (…)(MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal, v. 2, Parte especial, 3ª ed, 1996, p. 74)
Diante de tudo que foi exposto, é um absurdo se dizer que neste país não há proteção jurídica da vida a partir da concepção, se o ordenamento jurídico diz que há. Ainda que se retire do Código Penal a tipificação do aborto como crime, outras normas legais (entre elas as de ordem constitucional) deixam claro que o ser humano existe desde a concepção e que tem direito à vida.
Assim, juridicamente cai por terra a ideia de que a mulher tem o direito de decidir se vai continuar com a gestação. Não cabe a ela decidir isto, pois na verdade a sua decisão não é igual a se decidir em extirpar uma verruga do seu corpo. Trata-se de uma pessoa com direitos, e o direito à vida é superior à decisão egoísta e comodista se quer ter um filho ou não.
Ainda que se apagasse toda essa discussão jurídica, várias teses científicas defendem a existência da vida humana desde a concepção. Ora, se cientificamente temos este posicionamento, tem-se por certo que moral e eticamente existem diversos aspectos a serem levantados, mas o principal é: se existe vida humana desde a concepção, alguém pode decidir interromper uma gestação? Se pode, por que motivo?
Infelizmente estamos entrando em um período em que o que importa é o meu direito, e se lasque o direito de outros. Está se perdendo a noção de coletividade e se adotando uma noção individual de direito.
Quando se defende que uma mulher pode decidir se comete ou não um aborto, está se vendo apenas o lado dela. E da criança que está em fase de formação? Ou vai reduzi-la à condição de verruga (estou usando esta comparação porque é o que parece mesmo) que pode ser tirada do corpo a qualquer momento?
Diante de uma visão moral e ética, não há justificativa plausível para a interrupção da gestação pelo simples “direito da mulher decidir se quer um filho ou não”.
ANÁLISE FÁTICA E SOCIAL
Como citei antes, recentemente a nova ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres afirmou que o aborto é uma questão de saúde pública. Disse que:
(…) Como sanitarista, tenho que dizer que o aborto é uma questão de saúde pública, não de ideologia, assim como o crack, a dengue e o HIV. (…)
(…) Nenhuma pessoa de gestão que tenha sensibilidade, que ouça os números, admite que mulheres continuem morrendo em decorrência de aborto, assim como não queremos que crianças continuem morrendo por falta de atendimento no parto. (…)
Sei que muitos não concordaram com as declarações da Sra. Eleonora, mas de certa forma ela está correta … e antes que alguém me condene e apedreje, leia até o final.
No Brasil estima-se que são realizados muitos abortos por ano e um percentual destes causam lesões às mulheres, e alguns casos levam as mulheres a óbito. Esses casos costumam ser atendidos pelo sistema de saúde pública, e mesmo que não sejam, entram no cômputo de uma situação triste no país.
Perdão, mas diante de uma situação social deste porte, como não lidar como uma questão de saúde pública???
Assim como temos casos de dengue, crack, HIV e tantas outras situações alarmantes, cabe ao governo federal atender a situação como uma questão de saúde pública. Cabe ao governo federal crias alternativas para lidar com a situação que bate às suas portas.
Até aí tudo bem … o problema está nas propostas e ideias que são defendidas.
A partir do momento em que a mulher não tem o direito de decidir se vai abortar, é totalmente descabido se falar em “facilitar” a realização da prática do aborto para se evitar lesões e mortes das mulheres. Quer dizer então que o governo pretende facilitar a realização de um crime???
Se o aborto é feito de forma clandestina, significa que não se deveria fazer. E pelos preceitos legais e morais, o aborto não deve ocorrer. É isto o que defendo. Aborto é um crime e não apenas porque está na lei, mas também por critérios científicos e morais.
Um fato social deve ser encarado com todos os olhos, inclusive o legal. Se a lei é justa, correta, ou não, é outra discussão. Mas a lei existe e está aí, e quem a descumprir deve sofrer as devidas sanções.
Para mim a situação do aborto diverge um pouco da questão do HIV e da dengue, pois muitos casos destes ocorrem sem qualquer ato da vítima que se torne possível o risco de infecção. Mas há alguma semelhança do aborto em relação a dirigir alcoolizado.
Muitos ainda dirigem embriagados, mesmo que a lei diga que não pode. O fato de muitos assim agirem não significa que a lei deve ser alterada. Pelo contrário, se deve fiscalizar para se evitar a transgressão da lei.
Os que assumem o risco de dirigir alcoolizado fazem isso porque acreditam que não serão pegos (como o aborto clandestino) e pelo puro prazer de encher a cara (como fazer o aborto pela comodidade de não se ter um filho).
Não desconsidero o fato de haver aborto clandestino, o que não aceito é a liberação para facilitar a vida dessas pessoas. Se for assim, os postos de saúde deveriam ter estoques de droga para atender os viciados que não conseguem comprar, para evitar que eles roubem, espanquem ou matem outras pessoas.
Existe um problema social e o governo deve lidar com ele de forma global, tanto como questão de saúde pública como de segurança. É o mesmo procedimento em relação ao crack: existe um problema de saúde pública (o grande número de dependentes da droga) que merece a atenção devida e necessária, e a questão da segurança (combate ao tráfico e venda de drogas).
O mesmo ocorre com o aborto: existe um problema de saúde pública (o grande número de mulheres com lesões ou que morrem em virtude da realização do aborto) que merece a atenção devida e necessária, e a questão da segurança (combate ao aborto, seja ele clandestino ou não, EM DEFESA DA VIDA DA CRIANÇA).
Acredito que todos os que são contrários ao aborto não devem se fechar a esta realidade social, mas sim diante dela auxiliar na discussão acerca das medidas a serem tomadas. Devemos defender ideias e auxiliar em medidas preventivas em relação ao aborto.
Vou dar um exemplo de uma pessoa que conheci que teve 11 gestações, ficando com 5 filhos, dando para adoção outros 4, e 2 crianças faleceram durante a gravidez (sem que qualquer ato abortivo fosse realizado).
A pessoa não queria mais ter filhos para cuidar, mas as gestações vieram. O que fazer? Abortar? Esta não foi a opção adotada. Ela decidiu que após o 5º filho não ficaria mais com as crianças, e resolveu dar para adoção … diga-se de passagem é uma medida que ocorre há séculos, em defesa da vida da criança.
Está grávida e não quer o filho? Dê para adoção. Este procedimento pode ser tomado mesmo durante a gestação, quando a gestante receberá atendimento psicológico e orientação profissional. Assim como intensificam campanhas contra a dengue, contra o uso de drogas, contra dirigir alcoolizado, poderiam fazer o mesmo em relação às gestantes que não querem ter o filho.
Ainda, o governo federal e os estaduais poderiam estabelecer parcerias com entidades do terceiro setor para fazer este acompanhamento, já que a máquina estatal parece que não está preparada para isso (ou não quer???).
A então candidata Dilma Rousseff disse em entrevista:
(…) Não se trata de uma convicção pessoal. Não conheço uma mulher que acha o aborto uma coisa fantástica e maravilhosa. É uma violência e um risco de vida. (…)
Ela está correta. O aborto é uma violência, mas quando é realizado o risco de vida é apenas para a mulher. Para a pessoa humana que estava sendo gerada é pena de morte.
O fato de existirem tantos abortos clandestinos realizados que colocam em risco a vida das mulheres, não deve ser a justificativa para facilitar a prática nas unidades de saúde. Estará apenas resolvendo parte do problema (risco de vida da mulher), mas se deixará de lado a situação mais grave: a vida da criança.
Com o devido respeito, mas adotar o aborto como uma opção de atendimento médico é uma afronta à vida, e uma tentativa de se criar um direito de decisão que não existe: se pela minha comodidade eu posso cometer o aborto.
Os que defendem o aborto como opção da mulher, estão olhando apenas o lado da dela. Por que não tentam olhar o lado do ser humano que está sendo gerado?
Vejam que não estou pedindo para que a gestante ame a criança que está em seu ventre, mas apenas que dê a ela a chance de nascer. Não quer o filho, isso é seu direito decidir. O que você não pode decidir é matá-lo.
Espero ter auxiliado em algo. Sei que a matéria é discutida em meio a paixões desenfreadas dos dois lados, e tentei apresentar meu ponto de vista com fundamentos. Provável que terá gente que não concorde, mas pelo menos espero que tenham a capacidade de discutir com sabedoria e olhando para todos os lados da situação.
Fonte:
BRANDALISE, André Luiz de Oliveira, Alguns motivos porque sou contra o aborto, publicado em 14/02/12 no blog “André Brandalise” – http://alobrandalise.blogspot.com/2012/02/alguns-motivos-porque-sou-contra-o.html