Pedro Ravazzano
A minha história de conversão inicia-se, paradoxalmente, com a minha descrença.
Ainda sendo formado numa família católica, educado em colégios confessionais, a figura de Cristo sempre fora a mera simbolização de uma estrutura meramente moral e social. De fato, o cristianismo, por mais fundamental que fosse na minha edificação enquanto homem, jamais havia conseguido romper a apatia diante da abertura a Deus.
O grande estopim para a busca incansável pelo conhecimento de Deus começou quando da minha adesão às mais estapafúrdias perspectivas agnósticas da realidade. Entretanto, se faz mister pontuar que essa não-crença só foi desperta a partir do momento em que, espantado diante do mudo, estruturei um mínimo de reflexão a respeito das coisas.
Antes, era apenas mais um jovem que, embebido nos grandes axiomas da modernidade, vivia a sua vida ignorando qualquer capacidade do espírito. Esse acordar me levou a constatar a situação antitética na qual me colocava; professava – teoricamente – uma fé, na prática, não acreditava.
Entretanto, ao abraçar o agnosticismo imediatamente iniciei uma busca pessoal por esse Deus desconhecido. Diferentemente do que poderiam esperar, a minha oposição à Igreja Católica não deu, fundamentalmente, por causa dos velhos chavões anticlericais repetidos à exaustão nas escolas e universidades.
Constatava isto sim, uma crise espiritual grave no catolicismo que não só obstruía a relação estreita com Deus como desconstruía a credibilidade da fé. Assim, em busca da religião verdadeira, debrucei-me ao estudo. Inicialmente, até como reflexo do fascínio visual, aproximei-me do hinduísmo e das religiões orientais. Não obstante, foi no islamismo, num primeiro momento, e em segunda na ortodoxia, onde mais me aprofundei.
A fé islâmica que conheci, primeiramente, por meio de uma reflexão histórica, abriu-me um vasto campo de potenciais filosóficos, teológicos, estéticos, tradicionais. Parecia, então, que aquilo que eu buscava encontrava na religião de Maomé. Assim, iniciei um estudo minucioso e rigoroso que me encaminhasse objetivamente à constatação a respeito da veracidade do islamismo.
A abertura ao transcendente, com um viés místico, fascinou-me. A espiritualidade oriental fora para mim impactante e decisiva, até mesmo, no meu retorno ao cristianismo. Ao deparar-me com esse forte estudo espiritual fui confrontado com as minhas próprias origens e identidade como homem formado sobre a égide da fé cristã. Analisando, então, as razões da decadência espiritual no Ocidente eu tinha como fim refletir acerca dos pressupostos dessa Civilização então em crise. Assim, com o propósito de endossar e confirmar a minha busca e proximidade com o islamismo, aproximei-me da fé cristã como objeto de estudo.
Nesse patamar da caminhada eu me encontrei com uma gama de autores que foram fundamentais no meu regresso: Santo Tomás de Aquino, Olavo de Carvalho, René Guénon, René Girard, Santos Padres, Ortega y Gasset, Eric Voegelin, Chesterton, Mircea Eliade, São Paulo, Mário Ferreira dos Santos etc. Com alguns tive rápidos e decisivos contatos, já outros marcaram fortemente o trilhar.
O interessante que, partindo da premissa de que o Ocidente não só se encontrava em crise como deficitário de uma verdadeira tradição espiritual, eu me vi confrontado com um prédio gloriosamente colossal dessa incrível cultura ocidental.
Por mais que o islamismo e a tradição oriental me fascinassem eu não encontrava o Deus então desconhecido. O meu agnosticismo havia deixado de ser propriamente uma posição. Acreditava em Deus, mas enquanto não O achava o agnosticismo continuava sendo o lugar comum do meu conforto (ir)religioso.
A Igreja Católica, como havia marcado a minha juventude, aparentava ser uma caricatura do que, no passado, fora. Os parâmetros que usara para me não mais me considerar católico anos antes eram totalmente distintos dos parâmetros que hoje usava para continuar na mesma posição. Se outrora os fundamentos eram concepções superficiais, ainda que com certo ar pontifical, o argumento, depois dessa caminhada, saíra do raso e ganhara em coesão. Os pontos essenciais eram mais robustos e o meu olhar direcionado à Igreja, ainda que a visse de forma negativa, buscava encontrar aquela herança espiritual que eu sabia que existia, mas que parecia oculta.
A fascinação com a mística oriental e, ao mesmo tempo, a mirada crítica diante do catolicismo me fizeram, então, tender para uma proximidade com a Igreja Ortodoxa. Basicamente esse passo foi dado depois de não apenas refletir a respeito das incoerências internas do islamismo – por mais bela que fosse a mística islâmica – como do conhecimento do grande legado dos Santos Padres, totalmente desconhecidos para mim. Ainda que a fé cristã católica permeasse a realidade na qual me inseria, o anticatolicismo havia brotado quase como uma raiz ideológica. Se o cristianismo era verdadeiro, com certeza não encontrava a sua plenitude na Igreja Católica, pensava.
Desse modo, o meu olhar foi lançado sobre a Ortodoxia. Sem dúvida alguma essa fase foi de um grande crescimento espiritual e intelectual. Não só pude conhecer mais estreitamente a beleza da fé cristã como deparar-me com uma realidade que, ainda que fosse vivida no seio familiar e social, não era objeto da minha contemplação pessoal: a caridade.
A proximidade com as riquezas espirituais do Oriente cristão me levou, naturalmente, ao meu mundo ocidental e latino. Envolvido, então, em debates apologéticos com católicos, vi-me moralmente obrigado a iniciar uma cruzada pela desconstrução dos mitos “papistas” dos “romanos”. No fundo esse anseio era reflexo da busca de auto-afirmar a minha identidade enquanto anticatólico e voltado para a Ortodoxia. Entretanto, nessa saga pessoal, com leituras, traduções, artigos, fui me deparando com afirmações muito fortes que não só endossavam as posições contrárias como desfaziam categoricamente as minhas – tênues – crenças.
Analisando, outrossim, a minha aversão ao catolicismo descobri-me diante não daquilo que era, em concreto, a Igreja Católica, mas o que eu, em minha experiência, havia conhecido. Comparar, então, a tradição oriental com as corrupções progressistas da fé passou a me parecer o sintoma de um arraigado sentimento passional e pouquíssimo fiel à Verdade, que sempre foi o fim último da minha corrida.
Digo, com muita humildade, que, nesse instante, conhecer o catolicismo foi não apenas a melhor experiência da minha vida como o meio mais eficaz de compreender-me enquanto homem e crente. Descobrir o Cristo na Sua Santa Igreja foi um processo longo, de muita angústia, sofrimento, mas de crescimento não apenas intelectual, mas espiritual. Talvez as minhas imperfeitas preces direcionadas ao então Deus desconhecido tenham chegado até Ele, Compassivo e Misericordioso, e que, assim, guiou-me não apenas até a Casa da qual nunca deveria ter saído como, num convite muito corajoso, chamou-me para o precioso e santo Sacerdócio do qual todos são indignos.
Analisando os caminhos pelos quais eu passei me vejo diante de uma dupla constatação; a tristeza do homem distante de Deus e, ao mesmo tempo, a Misericórdia divina que o guia pelas veredas desconhecidas. Ainda quando eu não acreditava nEle, Ele acreditava em mim.
Eu já havia desistido de Cristo, mas Cristo jamais desistira de mim. O chamado ao Sacerdócio foi a conseqüência dessa busca que se formava no mais profundo das entranhas. Talvez, tenho a audácia de dizer, que o meu agnosticismo fora um sinal da minha vocação.
A busca pela Verdade era a grande motivação da corrida e, acreditava, dos anseios pessoais. Procurava, simplesmente, onde repousar o meu coração. Não obstante, Deus me impulsionara a subir todo o monte e, com a mesma inquietação que me levou a virar o mundo ao avesso, eu busquei o meu lugar dentro da vontade Cristo depois de plenamente e conscientemente católico.
A vocação sacerdotal, na minha experiência, é indissociável da minha vida de convertido. O fôlego que dinamizava a minha busca por Deus foi o fôlego que, quando membro da Igreja, usei para ouvir o chamado de Deus e para viver de forma plena a Sua vontade.
Sou católico, graças a Deus!
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