terça-feira, 18 de outubro de 2011

A BELEZA QUE SALVA - VOZ DOS PAPAS - PARTE II

Como outrora a beleza foi recusada no mundo pagão, quando este se afastou do significado transcendental da criação, recaindo, primeiro na hediondez moral (Rm 1,19ss), e posteriormente na  pior das barbáries, aquela que se diz civilizada, também hoje, a beleza edificada ao longo dos séculos pelo cristianismo na civilização ocidental parece novamente despedir-se do mundo, abandonando-o à sua pragmática avidez de divertimento e lucro.

Esta recusa à beleza transcendental, gerada pela falta de amor a Deus em troca do afeto aos bens materiais, só pode conduzir os homens à tristeza e à depressão. Esta frustração caracteriza a mentalidade materialista, a qual contraria a procura do Absoluto inerente à natureza humana.

Com a exclusão da beleza no panorama dos homens, o bem moral perde sua força de atração, obstruindo a evidência de seu dever e a razão última de seu cumprimento. Assim, o homem, perdido diante da escolha entre um bem obnubilado pelo mal, que se mostra cada vez mais excitante, busca no  vício a felicidade total que não encontrou na pobre manifestação da virtude.

Em sentido contrário, Von Balthasar afirma que a autenticidade da vida cristã consiste na configuração do cristão com a forma Christi. Esta é a plenitude da bondade na vida cristã. A forma de Cristo está envolta no enobrecimento de todo o âmbito existencial, consistente, em última análise, no progresso espiritual, que nada mais é que a beleza moral da santidade, pois, a forma do cristão consiste na bondade da integridade, a qual é a mais bela realização do quanto se pode dar no âmbito humano.

Em consequência, o cristão só responde ao seu chamado pessoal à santidade, e realiza a sua missão no mundo, quando se torna essa forma querida por Cristo, na qual a beleza exterior expressa e corresponde à bondade interior. Somente deste modo o testemunho de uma vida torna-se credível para o mundo, digno de ser amado pela autenticidade da beleza moral.
O brilho da santidade arrebata, pois consiste, em última análise, na participação da própria luz de Cristo infusa pelo batismo e vivificada pela ação da graça. Este entusiasmo pela beleza autêntica da forma Christi convida o homem a considerar com outros olhos a Revelação, e o convoca a este admirabile comercium et connubium entre Deus e o homem.
A verdade sem a beleza
De modo semelhante ao que ocorre com a bondade, quando a verdade não está associada ao belo, seus argumentos demonstrativos perdem a força de atração, e, ainda mais grave, sua ponderação lógica.

Constata Von Balthasar que, ao longo da História, o desejo do verum pelo verum havia destruído a comunhão entre os transcendentais, gerando uma hiperatividade especulativa em detrimento de um abandono da beleza, então considerada supérflua. Em resposta, propõe a elevação da teologia à sua causa originária, de maneira que sua compreensão se torne universal, e não apenas baseada em alguma verdade parcial. Este método evita que as proposições se afastem dos princípios originários baseados na verdade absoluta, tornando-se joguetes de verdades minores passíveis às manobras da dialética.

Neste sentido, explicava o cardeal Joseph Ratzinger que “os argumentos, muitas vezes caem no vazio, uma vez que no nosso mundo não faltam argumentações a concorrerem e a contraporem-se entre si, de tal maneira que acaba por se impor espontaneamente aquela máxima que os teólogos medievais resumiram da seguinte forma: ‘a razão tem nariz de cera’, ou seja, se o homem for suficientemente adestrado, é possível dobrá-la nas mais diversas direções. É tudo tão atinado e tão óbvio… contudo, em quem é que havemos de confiar?

Diante desta dificuldade, Balthasar recorda que a beleza se define como “a última palavra até onde pode chegar o intelecto reflexivo, já que é uma auréola de resplendor indelével que rodeia a estrela da verdade e do bem, que são indissociáveis”. A luz salvadora da via da beleza é a guia do náufrago nas instáveis águas da razão, pois como observa o Cardeal Ratzinger, “o encontro com a beleza pode ser visto como esse embate da seta que fere a alma para, assim, lhe abrir os olhos, de modo que ela possa, doravante, e a partir dessa sua experiência, ter critérios de juízo e ter a capacidade de ajuizar com retidão de argumentos”.
O ser sem a beleza
Se isto ocorre com os transcendentais, apenas porque um deles foi descuidado, Balthasar questiona o que acontecerá em relação ao próprio ser.

São Tomás considerava o ser à semelhança de certa luz do ente. Ora, a luz do ser só é autenticamente bela quando a complacência que produz se funda na verdade e na bondade do próprio ser (splendor boni e splendor veri). Fora deste núcleo constitutivo não se dá o belo, seja de que maneira for.

Por esta razão, quando se deseja transmitir uma verdade objetiva sobre os seres, não se poderá realizá-lo sem o aporte da beleza, pois esta ilumina o intelecto na distinção e no conhecimento dos seres. Von Balthasar observa que se esta luz do ser, que é o belo, não estiver presente na linguagem do transmissor, o mistério do ser não se expressa de modo perfeito. Em outras palavras, sem o belo, o ser permaneceria obscuro e incompreensível para o destinatário da mensagem, pois a comunicação da verdade e da bondade sobre determinado ser não seria íntegra, mas apenas parcial.

Em suma, enquanto último dos transcendentais, o belo completa e sela a bondade e a verdade em seu verdadeiro eixo, de modo a conceder ao bem toda sua força de atração; ao verdadeiro sua integridade. Desta forma, comunica ao ser a autêntica expressão de si mesmo. Corresponde, pois, à teologia desenvolver a proposta balthasariana da beleza em seu sentido mais autêntico, a fim de que, dessa maneira, a via pulchritudinis seja o raio de luz salvador aos homens de hoje.

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