quinta-feira, 17 de novembro de 2011

As “Igrejas midiáticas” e sua relação com a superficialidade e instantaneidade da sociedade moderna.


IHU On-Line

A midiatização está mudando as “lógicas e regras de atuação” das igrejas, especialmente das neo pentecostais que atuam mais a partir de “uma lógica midiática do que religiosa”, constata a jornalista e autora do livro Mídia e religião: Entre o mundo da fé e o do fiel (Rio de Janeiro: E-Papers, 2010), Viviane Borelli. Nesse processo, acentua, “o discurso religioso é adaptado para um discurso mais midiático, com mais visualidade, mais coloquialidade e menos aprofundamento”.
Para a pesquisadora, as igrejas neopentecostais atuam com mais profissionalismo porque “pensam e agem como mídia”, alimentando websites interligados a portais que “oferecem informações 24 horas”. Investimento contínuo em mídias digitais e o contato prolongado via internet são estratégias “para fazer com que o fiel permaneça conectado à ’sua igreja’ o maior tempo possível”.
Na entrevista a seguir concedida por e-mail, Viviane Borelli também comenta a iniciativa da Igreja Universal do Reino de Deus – IURD, que convocou os fiéis a não consumirem informações não religiosas durante 21 dias. “Essa ‘abstinência’ tem um sentido simbólico, vinculado tanto a questões religiosas (abster-se e fazer um sacrifício em nome de sua fé) quanto midiáticas (atingir a concorrência, melhorar sua posição no índice de audiência). Portanto, nota-se que a Universal utiliza estratégias midiáticas para continuar existindo como igreja”, conclui.
Viviane Borelli é professora adjunta do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Jornalista formada pela mesma universidade, cursou mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação na Unisinos.
Confira a entrevista.

Como as igrejas neopentecostais se posicionaram e se apropriaram da internet e das mídias digitais? Qual a especificidade dessas igrejas nessas mídias?

Viviane Borelli – As igrejas neopentecostais já nasceram na era da mídia, diferentemente das igrejas seculares, que agora buscam compreender como funcionam os processos midiáticos e descobrir os modos de utilizá-los a seu favor. A evolução das técnicas e tecnologias de informação tem sido fator decisivo para a expansão das “igrejas midiáticas”. De uma forma geral, as igrejas neopentecostais possuem portais com canais que possibilitam o acesso a distintos conteúdos e plataformas de informação. Outra especificidade é que possuem, numa só plataforma de mídia, a convergência de várias linguagens – a escrita, a oral, a visual – na forma de distintas mídias. Através dos portais das igrejas, podem-se acessar os produtos impressos (revistas, jornais), os digitais (blogs, websites de notícias), além de poder acompanhar programas de rádio e televisão.
Como vê a inserção das igrejas na internet? Por que elas têm investido tanto nas tecnologias digitais, especialmente em sítios e serviços online?

Viviane Borelli – Nas mídias digitais, a linguagem deve ser própria para esse meio – muita visualidade, textos curtos e diretos que tentem capturar o leitor. Algumas igrejas tem investido na mídia digital ainda de uma forma pouco planejada. Já outras, especialmente as neopentecostais, têm se inserido na internet com mais profissionalismo, uma vez que se percebe que elas passam a atuar mais a partir de uma lógica midiática do que religiosa. Isto é, são igrejas, mas pensam e agem como mídia. Exemplos são os distintos websites que estão interligados aos portais e que oferecem informações 24 horas, que disponibilizam o acesso a emissoras de rádio e televisão para acompanhamento da programação, que têm um serviço mais de autoajuda, que possibilitam interações com o fiel através de pedido de orações, aconselhamentos, além dos sítios específicos para compra de produtos da “sua igreja”.
O investimento em mídias digitais é mais uma estratégia para fazer com que o fiel permaneça conectado à ‘sua igreja’ o maior tempo possível. O contato é prolongado para além da presença física nos templos e, por vezes, é substituído. O conceito de fiel muda, pois ele passa a ser concebido como alguém que deve ser capturado de qualquer forma, através de múltiplas estratégias que visam a sua permanência como integrante dessa igreja.
Recentemente, a Igreja Universal do Reino de Deus – IURD lançou um canal de televisão na internet e convocou os fieis a passarem 21 dias sem consumir informações não religiosas. Como a senhora avalia essa “abstinência audiovisual”?


Viviane Borelli – O direito à informação e à liberdade de expressão é garantido por lei e não há algum órgão ou instituição que tenha o poder de decidir o que cada um quer consumir em termos de mídia. Entretanto, pelo papel que representa perante o fiel, a instituição religiosa pode sugerir e até induzir o fiel a consumir determinada informação. Mas, no caso da IURD, não há garantias de que tenha sucesso nessa “convocação”, pois a decisão final cabe ao fiel. Numa sociedade plural, em que pensamentos e ideias circulam livre e ininterruptamente, esse tipo de atitude causa certo estranhamento. Não consigo imaginar em que medida o consumo de informações não religiosas poderia afetar a religiosidade de um fiel. Essa “abstinência” tem um sentido simbólico, vinculado tanto a questões religiosas (abster-se e fazer um sacrifício em nome de sua fé) quanto midiáticas (atingir a concorrência, melhorar sua posição no índice de audiência). Portanto, nota-se que a Universal utiliza estratégias midiáticas para continuar existindo como igreja.

A partir da programação específica para a internet, quais são os principais programas de TV neopentecostais? Qual a importância e o papel desses programas na prática das igrejas e na vivência do fiel?

Viviane Borelli – A maioria dos programas é de pregação, com quadros de aconselhamento, testemunho (onde fiéis relatam seus sofrimentos e ganhos após tornar-se fiel de determinada igreja). A inclusão da voz do “outro” é uma estratégia de captura de novos fiéis que poderão se identificar com aquela história ali relatada e passar a acessar a programação da igreja e/ou frequentá-la. Além disso, são divulgadas as ações da igreja pelo Brasil e pelo mundo com agenda de encontros, eventos, etc.
Essa prática obriga as igrejas a se estruturarem como mídias também, ou seja, devem ter um amplo rol de profissionais do campo da comunicação e ter um planejamento na área. Para os fiéis, implica em conhecer “sua igreja” para além dos templos e em vivenciar a fé através de vários formatos e linguagens.

O que significa essa “transferência” ou “desvio” das práticas religiosas para a TV e, da TV, para a internet? O que se ganha e o que se perde com isso?

Viviane Borelli – Isso implica em adequações de linguagens tanto para TV quanto para internet. O público que acessa a internet pode não ser o mesmo que acompanha a programação televisiva. Por este motivo não basta fazer uma transposição de uma mídia para outra, já que é preciso trabalhar com as especificidades de cada uma delas. Na internet deve-se explorar ao máximo a possibilidade de interação, que na televisão é menor. Não há como dizer o que se perde e o que ganha. Mas o certo é que está emergindo uma nova forma de religiosidade que ultrapassa a prática tradicional com a presença física no templo. O fiel aprende a “moldar” a sua igreja aos seus anseios e necessidades. Se não tem tempo de ir até a igreja mais próxima, acaba desenvolvendo estratégias e rotinas de contato com “sua igreja” através dos vários dispositivos midiáticos.

Qual é o objetivo das igrejas ao utilizar as mídias digitais?

Viviane Borelli – O principal objetivo é garantir o contato com o fiel e a permanência de sua “marca” junto a ele. Diante de uma ampla oferta no mercado das religiões, é preciso desenvolver estratégias para permanecer “vivo” junto aos seus fiéis, buscando também atingir mais fiéis e capturar o fiel da igreja “concorrente”. As estratégias são garantir e ampliar o sentimento de pertença do fiel, conquistar o fiel da “concorrente” e atrair as pessoas que se denominam “sem religião”.

Qual é o papel das mídias digitais para as igrejas neopentecostais? Que perfil de fieis as igrejas querem atingir com as mídias digitais?


Viviane Borelli – Nas mídias digitais a possibilidade de interação é maior e, ao utilizar esse dispositivo, a igreja está ampliando o contato com o seu fiel e atingindo outros públicos. Saber utilizar os recursos que a web possibilita também é um diferencial para a igreja diante da “concorrência”. Busca-se atingir um fiel que precisa de um contato maior, que seja mais participativo e que tenha a disponibilidade de acessá-la por um tempo maior. Por isso, a oferta de produtos nas mídias digitais é tão intensa, pois ali pode estar aquele fiel que possui mais tempo para estar em contato com a igreja e que tenha uma melhor condição financeira.

Como a fé tem sido vivenciada a partir da internet e da midiatização?


Viviane Borelli – Através de algumas pesquisas de recepção, que não podem ser generalizadas, mas que dão algumas pistas de como a midiatização tem afetado a prática religiosa, temos observado que o fiel tem vivenciado sua fé de uma forma distinta. Mesmo o fiel que participa do dia a dia da comunidade e da igreja do seu bairro, por exemplo, concebe que é preciso acompanhá-la sempre e o máximo possível, seja através da programação na televisão, rádio e internet. Além disso, o mercado editorial e musical está em ampliação e profusão, fazendo com que o fiel compre CDs, DVDs e livros e, através deles, possa continuar em contato com a “sua igreja”. Os fiéis entrevistados em pesquisas sobre o processo de midiatização da religião relatam que, mesmo após irem ao templo, chegam em casa e ouvem os hinos de louvor, ligam a televisão e o rádio para ouvir os testemunhos e a pregação dos pastores. Além de utilizar a internet para conversar com outros fiéis em comunidades de relacionamento, por exemplo.

O processo de midiatização coloca as religiões em que ambiência social e cultural?


Viviane Borelli – A ambiência da miditização transforma a lógica do contato que não ocorre mais de forma direta e presencial, pois passa a ser atravessada por dispositivos tecnossimbólicos, ou seja, os dispositivos possuem materialidades, uma técnica, tecnologias, e são, sobretudo, simbólicos porque carregam um sentido pretendido junto a um contexto social e cultural específico.
Nota-se que há uma espécie de retroalimentação, em que as mídias referem-se umas às outras como forma de “prender” o fiel junto à igreja através de distintas linguagens e tecnologias. Essa estratégia de autorreferencialidade é cada vez mais comum na sociedade em processo de midiatização, porque, diante de tamanha oferta, busca-se chamar atenção para si no intuito de se manter “vivo” e presente junto aos públicos.
Como as igrejas neopentecostais podem ser compreendidas em uma sociedade midiatizada?

Viviane Borelli – As instituições religiosas e, em especial, as neopentecostais têm mudado suas lógicas e regras de atuação em função dos processos midiáticos gerados pela ambiência da midiatização. Os templos são transformados para que os cultos possam ser televisionados e enquadrados para as mídias digitais. Passa-se a pensar em comunicação e em estratégias midiáticas submetendo-se às lógicas e linguagens da mídia. Nesse sentido, o discurso religioso é adaptado para um discurso mais midiático, com mais visualidade, mais coloquialidade e menos aprofundamento.
Na sociedade em processo de midiatização, não se pode mais pensar apenas como igreja, mas também como mídia sob risco de não atingir mais os seus públicos.

Que tipo de sujeito surge a partir da midiatização da religião?

Viviane Borelli – Surge um fiel que busca estar em contato com sua igreja  além das formas tradicionais de contato. A relação também muda, pois agora é atravessada por dispositivos midiáticos. A mediação face a face entre igreja/pastor e fiel agora cede lugar a tecnointeração, em que o pastor continua em contato com o fiel, mas não mais de forma direta, e sim atravessada por dispositivos tecnossimbólicos. As formas tradicionais de se vivenciar a religião ainda permanecem, mas cada vez mais dividem espaço com as novas modalidades de se vivenciar a religião, agora midiatizada.
Qual é a postura que a mídia brasileira deve ter diante da midiatização da religião?

Viviane Borelli – É preciso perceber que estamos passando por mudanças muito significativas em nossa sociedade. As relações sociais mudam. A lógica do tempo afeta o modo de vivenciar as relações com os sujeitos e as instituições. Diante de uma sociedade cada vez mais marcada pela superficialidade e pela instantaneidade, as relações se transformam e cada vez mais a interação passa a ser atravessada por dispositivos técnicos e simbólicos. Nesse contexto, a mídia passa a afetar os modos através dos quais as instituições agem e também as relações entre os sujeitos. Por isso surge a sociedade em processo de midiatização.
As instituições religiosas são as que têm feito experimentações no sentido de midiatizar-se mais, como já foi falado acima, através do diálogo entre as mídias, do uso de estratégias midiáticas para atingir os seus públicos e do desenvolvimento de ações que buscam prolongar o contato com os seus fiéis para ampliar o sentido de pertencimento.
Os agentes midiáticos devem ter consciência de que estão atingindo e afetando as instituições e os sujeitos, voltando-se para seus problemas e questões no intuito de proporcionar debates públicos acerca de questões de interesse público.

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